Há quem diga que uma
pessoa tem um parafuso a mais ou a menos ou ainda mesmo solto por não parecer
normal e apropriado aos olhos de quem observa. Desde que me conheço por gente
meu pai coleciona parafusos que acha na rua. Quando percebe algum, guarda-o no
bolso da camisa dizendo que pode ser importante para alguma manutenção a ser
feita em casa. Ele
os guarda num pote.
Quando ele se mudou deixou
comigo o pote de parafusos quase cheio e começou um novo para ele. Muito gentil
da parte dele. Assim são alguns pais com seus filhos. Sempre querendo oferecer
soluções, precauções para consertar o que precisa. Deste modo, toda vez que
vamos instalar, montar, remontar, apertar, trocar uma peça ou colocar um novo
quadro recorremos ao famoso pote de parafusos. Acho que foram raríssimas às vezes
que precisamos aqui em casa ir até uma ferragem comprar um parafuso específico.
Só percebi que meu
marido adorou essa ideia quando trouxe para casa um pote todo bonito, com tampa
e tudo para manter os parafusos. É a ideia da precaução passando de geração em
geração. Parafusos, parafusos! Os parafusos existem porque necessitam de um encaixe
específico, perfeito. Já os pregos podem ser de tamanho aproximado. Cada
parafuso tem sua bucha, e até tem números para diferenciá-los.
Nesse sentido, de nada
adiantaria juntar todos os pregos que achássemos na rua. Quando se necessita
comprar pregos, se compra um saco deles, já quando se necessita comprar
parafusos, se compra por unidades, tantos quantos forem necessários para montar
um móvel ou fixar uma estante. Nesse sentido, podemos pensar que existe um
sentido em guardar coisas na vida. Guardar é precaver. Mas não adianta guardar
pregos, esses só tomariam espaço. Guardar parafusos sim pode ser interessante.
Especificidade é especialidade. Quando necessitamos de um tipo de material para
solucionar algo, percebemos quão especial é aquele parafuso. Mas nem todos os
parafusos guardados são bons, e sempre quando mexemos no pote tiramos alguns
enferrujados, sem cabeça ou quebrados.
Da vida, guardamos
diversas coisas, mas diversas mesmo. Aquilo que é específico e especial
permanece no nosso pote. Quando precisamos buscamos lá. E buscamos diversas
aprendizagens no pote. Muitas delas especiais. Aprendizagem que usamos ontem,
usamos hoje, usaremos amanhã e quem sabe poderemos passar esse pote a nossos
filhos para que levem um pouquinho de nós. Eles também saberão limpar esse pote,
descartar aprendizagens que foram necessárias para nós, mas que talvez não
sejam para eles. Do meu pote já descartei, por exemplo, curso de datilografia.
Mas existem coisas que não são agradáveis e permanecem no pote, e isso não é
algo tão ruim assim. Muitas vezes memorizamos uma marca que achamos ruim, o
nome de um estabelecimento onde não fomos bem atendidos, ou um caminho mais
difícil que o de costume. Essas memórias são importantes porque nos ajudam a
escolher constantemente aquilo que achamos mais apropriado. Essa busca pelo
específico, pelo especial faz de nós eternos mantenedores do pote de parafusos,
guardamos nele tudo aquilo que achamos que poderá nos ajudar um dia. E muitas
vezes não é qualquer coisa que pode nos ajudar, é algo bem específico e
portanto especial.